terça-feira, 5 de abril de 2011

Direção de Arte II

Metropolis, de Fritz Lang, 1927: trabalho visual primoroso

Para que o pessoal fique antenado, um pouco mais sobre direção de arte.
Segundo Lina Chamie: “tudo que você vê na tela, enquadrado pela câmera, é direção de arte.”
O diretor de arte coordena, afina e harmoniza os elementos visuais que compõe a cena, que será iluminada e fotografada para um filme ou para a TV. Faz parte de sua equipe cenógrafos, cenotécnicos, pintores, figurinistas, maquiadores, cabelereiros, produtores de objetos, técnicos de efeitos especiais e especialistas em computação gráfica. Esta equipe está sob sua responsabilidade.

Realizar a direção de arte profissional é tarefa complexa que envolve pesquisa, cálculos, custos, gerenciamento de eqipe e pessoal, além de conhecimento em história da arte, cinema, técnicas de construção de cenário, criação 3D em computador, iluminação e fotografia.

O diretor de arte precisa se relacionar com os outros departamentos do filme, especialmente com o diretor de fotografia e o diretor geral. Na TV o diretor de arte tem contato direto com as pessoas e têm contrato fixo e um departamento onde se armazena o material de cena, chamado contra-regra.

Tomamos como exemplo visual uma novela, que possui boa direção de arte como novelas de época com todos os elementos visuais harmoniosos e dentro da época retratada, sem misturas.A direção de arte não foi sempre assim.

Se tomarmos como base o início no cinema, o que encontramos era uma transposição das técnicas teatrais de cenotécnica, maquiagem e figurino. O cinema dos primórdios (1910 a 1920) era teatral, a composição visual ainda se apoiava na pintura e na fotografia. Quando assistimos Metrópolis de Fritz Lang ou o Encouraçado Potemkin de Eisenstein a impressão que temos é de uma grande ópera filmada ou de quadros numa exposição, com cenários grandiosos em longos planos abertos, cada um dos planos estudado como se fosse uma pintura. O cinema ainda engatinhava, descobria através do experimentalismo como criar uma linguagem própria.

A técnica influenciou muito nesse processo, as câmeras não possuíam mobilidade, o filme tinha limitações. As primeiras atrizes do cinema mudo usavam maquiagem amarela para aumentar o contraste com os olhos, o filme, de pouca sensibilidade à luz, deixava a pele humana cinza.

Com a evolução dos equipamentos e com o desenvolvimento de uma linguagem cinematográfica, surgiu a necessidade de mais profissionais especialistas em criar elementos visuais para o olhar da câmera. O aumento da equipe fez com que fosse criada a figura do diretor de arte.

Na década de 40, os estúdios americanos trabalhavam como grandes indústrias cinematográficas, com vários filmes sendo produzidos ao mesmo tempo. O fator técnico decisivo para a logística da filmagem era o technicolor, que exigia uma câmera grande que trabalhava com quatro chassis de filme ao mesmo tempo, fixada em gruas ou travellings para poder ser movimentada, operada por até 6 pessoas. A falta de mobilidade exigia o máximo controle de condições climáticas e de iluminação. Tudo se construía em estúdio, mesmo as ruas externas onde Gene Kelly dançou na chuva, tudo era iluminado artificialmente.

O technicolor, pela forma como produzia o filme colorido, exigia que se usassem cores fortes e contrastantes nos figurinos e cenários. O trabalho da direção de arte era limitado ao conjunto de regras do technicolor, não se usavam cores pastéis, não se usavam semitons.

A Nouvelle Vague veio resgatar o ar livre, produzindo filmes em preto e branco com câmeras leves em ambiente externo. O realismo italiano valorizou o homem, o ambiente humano retratado como ele é. O cinema começou a ter variedade de linguagens e estilos.

Hollywood seguiu com sua vocação industrial e continuou produzindo, os atores e atrizes se transformam em ídolos e mitos. Walt Disney começa a produzir animações na década de 50. A Cinecittá italiana começa a produzir também em escala industrial, com seus estúdios-cidade. E o diretor de arte ganha mais espaço para trabalhar.

A partir da década de 1970 direção de arte passou a ser um conceito muito mais sofisticado. Um dos grandes cineastas que transformou o trabalho do diretor de arte foi Stanley Kubrick, o outro foi Frederico Fellini.

Kubrick, fotógrafo e perfeccionista, transformava cada um de seus filmes em obras de arte visuais. Em 1974, realiza Barry Lyndon e dá condições a suas duas diretoras de arte para que realizem um filme de época de uma forma que não havia ainda sido feita. A direção de arte faz uma extensa pesquisa sobre as roupas da época, as perucas, a maquiagem. Kubrick autoriza sua equipe a comprar roupas em leilões, peças originais da época de Barry Lyndon. Cada plano é produzido como pintura, mas não qualquer pintura, como as pinturas da época em que o filme se passa. Kubrick manda fabricar uma câmera especial para filmar à luz de velas. O resultado é um filme lento, com ambientes irretocávies, iluminado apenas com luz natural e velas, onde cada personagem está perfeitamente caracterizado como se vestia na época, onde cada cenário e locação foi preparado para dar a impressão ao espectador que voltou no tempo, que o que está assistindo é uma reconstituição perfeita.

Fellini era um dos cineastas mais criativos de todos os tempos, surrealista e humanista. Fellini criou uma galeria de personagens bizarros e cenários de sonhos. A Cinecittá, em pleno auge, foi seu ambiente. Seus filmes tem uma linguagem visual muito particular, que mistura reconstruções de lugares reais em estúdio – como a réplica da Fontana di Trevi, que aparece em Oito e Meio – com cenários evidentemente artificiais, como o oceano de plástico e o fundo pintado de La Nave Va.

Outro cineasta que permitiu inovação foi George Lucas com seus filmes de ficção científica. Lucas faz o primeiro Star Wars com a técnica desenvolvida pelos estúdios Disney para criar cenários realistas: placas de vidro pintadas onde os personagens são depois “colados” na montagem do filme. As técnicas de montagem ainda eram as mesmas desde a década de 20. Descontente com o resultado, Lucas abriu a Industrial Light and Magic. A direção de arte ganhou um novo departamento: a computação gráfica.

Apesar de toda a tecnologia atual e das quase infinitivas possibilidades de produção, o princípio criativo do diretor de arte permanece o mesmo: transformar em realidade o que o diretor e os roteiristas do filme imaginaram. Construir mundos de sonhos, seja no mundo real em estúdio, seja no computador. Um filme sem direção de arte pode ser um bom filme; um filme com boa direção de arte será sempre um filme melhor.



Fonte: Daniela Castilho | Diretora de arte, artista plástica e designer | com base em Artigo originalmente publicado na Gazeta Mercantil em 30 de junho de 2006 no Caderno Fim de Semana, página 04

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